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- Alienação parental - uma forma de descuido
Ana Branca da Silva Soeiro de Carvalho (Instituto Politécnico de Viseu/ CISED)
Resumo: A ecologia humana e a atitude social, num conceito de novo estilo de vida, apela à mudança de atitudes de todos os seres humanos com um sentido ambiental, social e global. Como se compreende que uma criança possa ser exposta a episódios de violência e protagonizando-os, por vezes, pareça tornar-se inacessível a quaisquer experiências de culpabilidade ou de reparação? Neste sentido o Supremo Interesse da Criança será um "conjunto cumulativo de direitos e de necessidades". Sendo a família o centro nevrálgico e desempenhando um papel decisivo na educação formal e informal, é no seu seio que são controvertidos e absorvidos os valores éticos e humanitários e onde se consubstanciam laços de solidariedade. Desta forma, torna-se o lugar indispensável para a garantia de sobrevivência e da proteção integral dos filhos e demais membros, independentemente do arranjo familiar. O conceito de alienação parental tem sido objeto de três mal-entendidos graves que poderão ser analisados numa ótica de descuido.
Este trabalho baseia-se numa pesquisa documental, bibliográfica, com base em resenhas jurisprudenciais e legislativas.
Podemos concluir que a Alienação Parental é um maltrato muito, muito grave - promotor de danos, tendencialmente, irreparáveis - "porque, de forma intempestiva, uma criança é privada do contacto com um dos pais, sendo colocada no meio dum clima duma violência absurda, onde amar passa a ser tributado com toda a violência do mundo. O Direito Civil considera membros de uma família apenas as pessoas que se unem por laços de parentesco ou por relação conjugal. O Direito Constitucional ( e.g Art. 67º Família, Constituição da República Portuguesa ), considera a “ família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à proteção da sociedade e do Estado e à efetivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros”. No plano jurídico, deveriam deixar de falar de alienação parental e sim de violência doméstica.
Palavras-chave: Descuido, alienação parental, família, direito
Abstract: In a new lifestyle concept, human ecology and social attitude calls for a change in attitudes of all human beings with an environmental, social, and global sense. How is it understood that a child can be exposed to episodes of violence and, at times, appear to be inaccessible to any experiences of guilt or reparation taking part in them? In this sense, the Supreme Interest of the Child will be a "cumulative set of rights and needs." As the family is the nerve center and plays a decisive role in formal and informal education, it is within it that ethical and humanitarian values are discussed and absorbed and where bonds of solidarity are consolidated. In this way, it becomes indispensable to guarantee the survival and full protection of children and other members, regardless of the family arrangement. The concept of parental alienation has been the subject of three serious misunderstandings that can analyze from a careless perspective.
This work is based on documental, bibliographical research, based on jurisprudential and legislative reviews.
We can conclude that Parental Alienation is a very, very serious abuse - causing damage, tending to be irreparable - "because, in an untimely manner, a child is deprived of contact with a parent, being placed in the midst of a climate of absurd violence, where loving becomes taxed with all the violence in the world Civil Law considers members of a family only those people who are united by kinship or marital relationship Constitutional Law (e.g., Art. 67 Family, Constitution of the Portuguese Republic), considers the “family, as a fundamental element of society, has the right to the protection of society and the State and to the fulfillment of all conditions that allow the personal fulfillment of its members.” In legal terms, they should stop talking about parental alienation and, yes of domestic violence.
Keywords: carelessness, parental alienation, family, law
Nota biográfica: Doutorada em Comportamento Organizacional (Univ. de Lisboa /ISCSP); Doutoranda em Ciências Empresariais (Universidade de Salamanca); DEA – Diploma de Estudos Avanzados em Ciências Empresariais; Suficiência Investigadora – aprovada pela Universidade de Salamanca; Mestre em Gestão de Empresa (ISCTE); Licenciada em Direito; Master Business Administration (ISCTE) - MBA; Master Course em e-Marketing pela Midlesex University of London; Master Course em Social Media pela Midlesex University of London; Co-coordenadora da Pós Graduação de Administração Estratégica e Gestão de Recursos Humanos e Turismo e Competitividade no IPV/ESTGL; Professora Adjunta no IPV/ESTGL; Formadora pelo Turismo de Portugal (protocolo com a Escola de Hotelaria do Douro Lamego); Coordenadora Institucional do Poliempreende e SIVA – 2009/2012; Orientadora e arguente de várias dissertações e teses; Investigadora (FCT/CISED), com artigos científicos premiados e publicados em revistas indexadas. Capítulos de livros em revistas e livros científicos internacionais.
Representante Cultural da CEUCO Portugal – confrarias báquicas, gastronómicas e culturais. Dama da Ordem dos Caminhos de Santiago; Confreira de Honra da Confraria Gastronómica do Algarve, Confrade da Confraria dos Vinhos do Douro. Conferencista nas áreas do Direito do Turismo, da Cultura Digital, Enoturismo, Comportamento Organizacional e oesão territorial e Social. Colaboradora em vários projetos transfronteiriços – Turismo colaborativo (Baleares); Duero Douro (Projeto INTERREG-POCTEC - flyer promocional – Castilla y Leon); Eurocidades – (protocolo com Galiza); Expoourense – termatália e galisénior ( Galiza); Projeto com a Polaris, Espanha, Itália - Portugal projet Européen: langue maternelle migrants".
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Proteger, (Des)politizar e (Des)cuidar: algumas notas para reler a Hstória do Corpo no Século XXI
Ana Isabel Cardoso Figueiredo Sol (Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Faculdade de Letras - Univ. de Coimbra)
Resumo: A relação histórica do corpo biológico com o poder político ao longo dos tempos passou por diversas metamorfoses. Compreender estas mutações permite-nos fazer luz sobre a própria forma como o poder soberano tomou a seu cargo o cuidado pelos corpos nas diferentes fases da História: da despolitização suposta na antiguidade grega, com a radical separação entre a vida biológica e a vida política, passando pelo “corpo-tabu” dos medievais, pela conceção do “corpo-objeto” na Modernidade, pelo corpo protegido, com o surgimento da Medicina Social no século XVIII, até ao corpo exterminado nos campos de concentração do século XX, e ao corpo supostamente “despolitizado”, sujeito de liberdades individuais, e, entre elas, a própria liberdade de optar pelo “descuido”, no século XXI. Todas estas visões do corpo dão-nos também uma perspetiva sobre a sua relação com o cuidado e, por inerência, sobre a forma como o ato de cuidar e o próprio descuido integraram as estruturas do poder. É esta odisseia temporal do corpo na sua relação com a política e as sucessivas interações de proteção, (des)politização e (des)cuido que se assumirá como o centro da abordagem desta comunicação.
Palavras-chave: Corpo biológico; Poder; Despolitização; Proteção; descuido.
Nota biográfica: Doutorada em Ética e Política pela Universidade de Coimbra; concluiu, em 2018, o pós-doutoramento subordinado ao tema “Biotecnologias e Transhumanismo: questões bioéticas e biopolíticas”; investigadora integrada do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, onde atualmente desenvolve um projeto de pós-doutoramento de criação e dinamização de um laboratório de Ética Aplicada (o Laboratório de Racionalidade e Ética Aplicada). A sua investigação tem sido centrada nas áreas da Biopolítica e Ética Aplicada, com particular interesse na exploração da relação entre o corpo biológico e o poder político ao longo das épocas históricas e em questões decorrentes da relação entre Ética e Saúde.
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- Descuidos na Literatura Política da Restauração (1640-1668)
André Simões (Centro de Estudos Clássicos - Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa)
Resumo: No dia 1 de Dezembro de 1640, o reino de Portugal iniciou um longo processo de três décadas, tendo em vista o reconhecimento da nova dinastia de Bragança, que passou por uma intensa guerra diplomática, mais do que militar, sobretudo durante o reinado de D. João IV. Esperar-se-ia consistência na literatura e documentação produzidas durante estes tempos, em que urgia apresentar argumentos convincentes nas cortes europeias, e sobretudo na Santa Sé, de cujo reconhecimento, em última análise, dependia o êxito da Restauração. Porém, erros, omissões e descuidos povoam a poesia, a parenética, a documentção político-jurídica desta época fundamental da História de Portugal. Tomaremos alguns exemplos significativos da literatura produzida em Portugal, em línguas vernáculas e em Latim, durante as três décadas que decorreram entre o 1.º de Dezembro de 1640 e a paz de Lisboa (13 de Fevereiro de 1668).
Palavras-chave: Restauração; D. João IV; Literatura neolatina
Abstract: On December 1, 1640, the kingdom of Portugal began a three-decade long process, aiming the international recognition of the new Bragança dynasty, which went through an intense diplomatic war, rather than a military one, especially during the reign of king John IV. One would expect consistency in the literature and documentation produced during these times, in which it was urgent to present convincing arguments in the European courts, and above all in the Holy See, on whose recognition the success of the Restoration depended. However, errors, omissions and oversights populate the poetry, the parenetic, the political-legal documentation of this fundamental period in the History of Portugal. We will analise some significant examples of literature produced in Portugal, in vernacular languages and in Latin, during the three decades that elapsed between the 1st of December 1640 and the peace of Lisbon (13 February 1668).
Keywords: Portuguese Restoration; King John IV; Neolatin literature.
Nota biográfica: Doutorado em Estudos Clássicos pela Universidade de Lisboa, em cujo Departamento de Estudos Clássicos leciona desde 1996. É também investigador integrado do Centro de Estudos Clássicos da UL, onde tem desenvolvido trabalho essencialmente na área da Literatura Latina Medieval, e, sobretudo, na área da Literatura Neolatina. Na sequência do doutoramento ("Sedes Apostolica iustitiam faciet: Portugal Restaurado no Arquivo Secreto Vaticano"), a sua investigação tem-se centrado, nos últimos anos, na literatura de natureza política produzida em Latim no período da Restauração, concretamente aquela destinada a circular na Santa Sé, de forma a obter o reconhecimento da nova monarquia portuguesa por parte dos Sumos Pontífices que se sucederam entre o 1.º de Dezembro de 1640 e a paz de Fevereiro de 1668.
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- Pensar o descuido como uma fratura na narrativa do si mesmo em situação de doença
Catarina Rebelo (Instituto de Estudos Filosóficos - Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra)
Resumo: A nossa saúde e a forma como cuidamos dela é determinante para o nosso bem-estar, contudo isso nem sempre acontece e só damos pela falta desta mesma saúde quando não a temos. Analisaremos, a partir de Ricœur, que nos apresenta a falibilidade e vulnerabilidade humana, como a narrativa do si-mesmo se pode alterar numa situação de sofrimento; a qual pensaremos nós, no quadro da saúde. Neste contexto o descuido para com a saúde não é muitas vezes assumido pelo si-mesmo.
Palavras-chave: Ricœur; Si-mesmo; Narrativa; Cuidado; Saúde.
Nota biográfica: Catarina Rebelo, nasceu em Coimbra em 1982. Concluiu em 2021, o doutoramento em Filosofia sob a orientação da Professora Doutora Maria Luísa Portocarrero Ferreira da Silva, com o tema «Encontro Terapêutico e Filosofia. Um caminho percorrido com Paul Ricoeur.» Em 2009 terminou o mestrado em Relação de Ajuda no ISPA, com a tese «O lugar do corpo na construção da identidade pessoal.» Licenciou-se em Filosofia em 2006 na vertente científica, pela FLUC. No mesmo ano concluiu o Curso Superior de Acupunctura e Fitoterapia Chinesa, pela a APPA-DA. Trabalha em Medicina Tradicional Chinesa desde 2006.
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- A tutela dos direitos de personalidade
Elsa Dias Oliveira (Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa)
Resumo: Os direitos de personalidade têm por objeto bens da personalidade, como é o caso, v.g., da vida, da integridade física, da honra, da reserva sobre a intimidade da vida privada, da imagem. Estes bens são tutelados no ordenamento jurídico português por diversos meios. No Direito Civil estão consagradas formas de tutela que visam prevenir a sua ofensa e garantir que, caso esta se verifique, os seus efeitos sejam atenuados e o lesado seja ressarcido.
Palavras-chave: Direitos de personalidade; Tutela; Direito Civil.
Nota biográfica: Professora Associada na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa desde 2019.
Doutoramento (2011), Mestrado (2001) e Licenciatura (1996) na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
Presidente do Centro de Arbitragem e de Resolução de Litígios da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
Oradora em diversas conferências e Pós-Graduações. Advogada.
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- O descuido como via. O papel do acidente na criação artística
Emília Ferreira (MNAC e IHA/FCSH/NOVA)
Resumo: Descuido implica o acto de não cuidar. Pode ser acidental — depender de condicionantes externas — ou deliberado, sendo neste caso uma acção determinada a deixar de cuidar, passando ao largo de uma responsabilidade ou aceitando de modo resoluto e sábio o facto de, na vida, ser mais o que nos ultrapassa do que aquilo que controlamos.
No primeiro caso, há vários exemplos a dar, mas cinjo-me a alguns, simples: o descuido de não anotar uma ideia, perdendo-a para sempre. Ou o descuido com a forma — na escrita, por exemplo, com a caligrafia —, perdendo-se para sempre a certeza de uma palavra, ou seja, de um caminho. E, contudo, o descuido de não seguir o caminho assim perdido pode abrir novos trilhos, novas possibilidades de percepção, de conhecimento e de criação. Também neste último caso, a aceitação do que não controlamos pode seguir duas vias. Na primeira, a assunção de que o que nos interessou num dado momento das nossas vidas pode perder interesse e passar para segundo plano. Na segunda, a de que algo que se intrometeu, involuntariamente na nossa experiência, pode ser acolhido como mais um dado a partir do qual o nosso itinerário muda.
Na criação artística, o acto de deixar de cuidar, porque houve uma deriva de foco no nosso interesse, pode ser entendido como o inacabado. Já a intromissão da realidade na nossa experiência pode ser definida como o acidente. É exactamente deste ponto de vista do bom acolhimento do caos, do descuido, que me ocuparei na minha abordagem, tomando como matéria de reflexão dados recolhidos entre os mais de 150 “Depoimentos de Artistas” que, desde Janeiro de 2021, o Museu Nacional de Arte Contemporânea tem vindo a partilhar, sobre os processos criativos de artistas visuais, emergentes e consagrados, nacionais e estrangeiros, activos em Portugal.
Palavras-chave: Criação; Inacabado; Acidente; Descoberta; Conhecimento
Abstract: Carelessness implies the act of not caring. It can be accidental — depending on external conditions — or deliberate, in which case it is an action determined to stop caring, either bypassing a responsibility or resolutely and wisely accepting the fact that there is more to life than what we control.
In the first case, and amongst the many possible examples I could share, I will stick to a few, simple ones: the carelessness of not writing down an idea, losing it forever. Or the carelessness with shapes — such as with my handwriting, for example — losing a sense of certainty of a word, and with it, of a path, forever lost. And yet, such carelessness and such loss can lead to new paths, new possibilities of perception, knowledge and creation. In fact, the acceptance of what we do not control can lead to two new paths. In the first, the assumption that what interested us at a given moment of our lives can be devoid of interest in the next moment, and therefore become a minor concern of ours. In the second case, that something that has unwittingly intruded into our experience can be accepted and integrated as another fact from which our itinerary changes.
In artistic creation, the act of not caring, because there was a drift of focus in our interest, can be understood as the unfinished business. On the other hand, the intrusion of reality into our experience can be defined as an accident. It is precisely from this point of view of welcoming chaos, of carelessness, that I will deal with my approach, taking as a matter of reflection data collected from the more than 150 "Artists' Testimonies" that, since January 2021, the National Museum of Contemporary Art has been sharing about the creative processes of emerging and established visual artists, national and foreign, active in Portugal.
Keywords: Creation, Unfinished, Accident, Discovery, Knowledge
Nota biográfica: Emília Ferreira (Lisboa, 1963) Licenciada em Filosofia (FLL), mestre e doutora em História da Arte Contemporânea (FCSH/NOVA)). Investigadora integrada do IHA/FSCH/NOVA; investigadora associada ao projecto Social Sciences and Humanities Research Council, University of Victoria, BC, Canadá; e investigadora associada ao CIEG/ISCSP-ULisboa. Historiadora de Arte, Curadora, Educadora pela Arte, Autora de Ficção. Desde Dezembro de 2017, dirige o Museu Nacional de Arte Contemporânea.
Autora de vários livros e de textos sobre museus, educação, arte e artistas portugueses, entradas de dicionários e capítulos de livros nacionais e internacionais. Co-autora, com Cristina Gameiro, dos 10 volumes Arte Moderna e Contemporânea: A minha primeira coleção (2014). Co-editora, com Raquel Henriques da Silva e Joana d’Oliva Monteiro, do Dicionário Quem é quem na museologia portuguesa. Lisboa: IHA, FCSH/Nova, 2019 e 2021; e co-editora, com Carlos João Correia, de Aesthetics, Art and Intimacy. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2021.
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- Mortos sem despedida: o descuido com os mortos e com os vivos durante a pandemia Covid-19
Everaldo Cescon (Professor no Programa de Pós-Graduação em Filosofia e no Programa de Pós-Graduação em História – Universidade de Caxias do Sul – Brasil)
Resumo: Os ritos supõem atos coletivos de cuidado e podem ser de solidariedade ou de passagem. Expressam relações de cuidado, de compromisso, permitem consolidar os laços mas, no caso dos ritos fúnebres, permitem também consolidar o desaparecimento de alguém e reconfigurar a comunidade dos vivos. Os ritos fúnebres nos remetem à vulnerabilidade da vida e refletem os valores de uma coletividade. Durante a pandemia Covid-19, no entanto, por causa das restrições e proibições em relação a aglomerações, os enterramentos foram sendo realizados sem antes ocorrer o velório ou qualquer tipo de homenagem ao falecido. Os familiares e amigos não choram nem se despedem. O ritual fúnebre é inconclusivo e as possíveis elaborações e manifestações do luto são afetadas. Como não descuidar dos enlutados mantendo uma rede de solidariedade? Como não descuidar da memória dos falecidos?
Palavras-chave: Descuido; Mortos; Ritos fúnebres; Pandemia.
Abstract: Rites suppose collective acts of care and they can be of solidarity or passage. They express relationships of care, dealings of commitment, they allow to consolidate the bonds, but in the case of funeral rites, they also allow to consolidate the disappearance of someone and to reconfigure the community of the living ones. The funeral rites drive us to the vulnerability of life and reflect the values of a collectivity. During the Covid-19 pandemic, however, because of restrictions and prohibitions regarding agglomerations, burials were carried out without the wake or any kind of tribute to the deceased persons. Family and friends don't cry neither say goodbye. The funeral ritual is inconclusive and the possible elaborations and manifestations of mourning are affected. How can we not neglect the bereaved ones maintaining a network of solidarity? How can we not neglect the memory of the deceased ones?
Keywords: Carelessness; Dead; Funeral rites; Pandemic.
Nota biográfica: Pós-doutor em Filosofia (Universidade de Lisboa - 2010). Doutor em Teologia (Pontifícia Universidade Gregoriana - 2003). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - 1999), MBA em Gestão do Ensino Superior e Licenciado em Filosofia (Universidade de Caxias do Sul - 1991). Atualmente é Diretor da Área do Conhecimento de Humanidades, professor no Programa de Pós-Graduação em Filosofia - Mestrado e Doutorado e no Programa de Pós-Graduação em História - Mestrado e Doutorado da Universidade de Caxias do Sul - Brasil. É editor da revista Conjectura: filosofia e educação. É líder do Grupo de Pesquisa Religare. Dedica-se especialmente à Ética, Fenomenologia da Religião e História do Patrimônio, concentrando os seus estudos nas seguintes temáticas: conceito de pessoa e interfaces bioéticas, história da morte e sua patrimonialização, patrimônio cultural religioso. Dentre as publicações, destacam-se: Filosofia e o mundo da vida (2021), Ética e corporeidade em perspectiva fenomenológica (2020), Construcción global de futuro: prospectiva (2020), Ética e subjetividade (2016), Filosofia, ética e educação: por uma cultura da paz (2011) e O mistério do mal (2006).
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- Observar para reparar. A sintomatologia do descuido paisageiro
Helena Pires (Dept de Ciências da Comunicação / ICS | Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, Universidade do Minho)
Resumo: Numa das suas crónicas semanais na Revista do Expresso, Gonçalo M. Tavares fala da importância da observação como condição primeira da reparação. É observando o paciente que o médico descobre (muitas vezes “vendo” ou mesmo “adivinhando” o que parece escondido) as raízes dos índices sintomatológicos, mesmo dos mais simples tais como a febre, a coloração da pele, a respiração…
Partindo do axioma atrás implícito de que um observador é um reparador e um reparador é um observador, podemos pensar nas múltiplas formas de conceção (e operacionalização) deste duplo exercício, condensado, em última análise, no cuidar. Em particular, impõe-se uma reflexão sobre o (des)cuidar no que respeita à nossa ligação com o universo sensível, tal qual percebido subjetivamente, nos termos de Merleau-Ponty (1945/2001; 1964/2000). A natureza dialógica da relação com o mundo fenomenológico é aquilo que nos co-constitui enquanto seres sensíveis entre os demais. É acreditando neste paradigma fundamental que pensamos a paisagem, entendendo-a, como lucidamente discute Simmel (1913/2011), na sua condição eminentemente estética, isto é, enquanto ato criativo (análogo à prática artística) decorrente de um sentimento – Stimmung - de ligação à natureza, ao universo percebido, e sentido, como um todo fluído, do qual fazemos parte integrante. Georg Simmel inscreve a urgência de se pensar sobre a ideia de paisagem, precisamente, no quadro do advento da modernidade e, consequentemente, da experiência da fragmentação, da perda do sentido do uno e da perceção de uma subjetividade em ligação com o sentido de pertença a um mundo comum. Também Paulo Virilio (2000), mais tarde, entre outros autores-pensadores, irá chamar a atenção para o “acidente do presente”, a contração da experiência da duração, colapsada pelo desaparecimento da possibilidade da viagem, o durante que intervalava a partida e a chegada, no contraponto dos imperativos da velocidade que se instalaram, definitivamente, na nossa cultura quotidiana: a vivência do espaço-tempo foi substituída pela imersão nos ecrãs, o olhar desviou-se da janela com vista sobre o mundo exterior para os telemóveis, portáteis e afins, o corpo petrificou-se e tornou-se paralisado, insensível ao contacto com o meio circundante…
De que modo estas transformações operadas sobre a nossa experiência sensível têm efeitos sobre o agenciamento do cuidar (do mundo, dos outros, do si mesmo na sua relação com o sentido de comunidade)? Estimular o exercício da observação, mesmo da contemplação, condição primeira do sentimento paisageiro, ou mesmo pensamento paisageiro, como bem esclarece Augustin Berque (2011), propondo-nos a noção de trajetividade para designar a vocação simultaneamente objetiva e subjetiva do sentir e do pensar, constitui na contemporaneidade uma “arte de cura” (Leite) a sugerir, um modo de reparar a cadeia de articulação entre o sentir-pensar-agir, antes que tais elos se quebrem, impedindo-nos de assumir o nosso papel de observadores-reparadores?.
Defendendo a relevância da nossa experiência paisagística na contemporaneidade, na sua dimensão estético-política (Stiegler, 2018), sugere-se, no quadro desta comunicação, uma reflexão sobre a sintomatologia do descuido paisageiro, suportada pela produção imaginária tal qual ilustrada, a título exemplificativo, pelas artes visuais.
Palavras-chave: Paisagem; Sentir-pensar-agir; Observação-reparação.
Abstract: In one of his weekly chronicles in the Expresso’s newspaper magazine, Gonçalo M. Tavares speaks of the importance of observation as the first condition for reparation. It is by observing the patient that the doctor discovers (often “seeing” or even “guessing” what seems hidden) the roots of symptomatological indexes, even the simplest such as fever, skin color, breathing...
Starting from the implicit axiom that an observer is a repairer and a repairer is an observer, we can think of the multiple forms of conception (and operationalization) of this double exercise, condensed, ultimately, in caring. In particular, it is necessary to reflect on (dis)caring with regard to our connection with the sensitive universe, as perceived subjectively, in the terms of Merleau-Ponty (1945/2001; 1964/2000). The dialogical nature of the relationship with the phenomenological world is what co-constitutes us as sentient beings among others. It is by believing in this fundamental paradigm that we think about landscape, understanding it, as Simmel (1913/2011) lucidly discusses, in its eminently aesthetic condition, that is, as a creative act (analogous to artistic practice) arising from a feeling - Stimmung - of connection to nature, to the perceived universe, as a fluid whole, of which we are an integral part. Georg Simmel inscribes the urgency of thinking about the idea of landscape, precisely in the context of the advent of modernity and, consequently, of the experience of fragmentation, the loss of the sense of oneness and the perception of a subjectivity in connection with the sense of belonging to a common world. Paulo Virilio (2000), among other authors-thinkers, will also draw attention to the “accident of the present”, the contraction of the experience of duration, collapsed by the disappearance of the possibility of the trip, which takes place during the interval between the departure and the arrival, in counterpoint to the imperatives of speed that have definitively been installed in our daily culture: the experience of space-time was replaced by immersion in the screens, the gaze shifted from the window overlooking the outside world to the mobile phones, the body became petrified and became paralyzed, insensitive to contact with the surrounding environment…
How do these transformations operated on our sensitive experience have effects on the agency of care (of the world, of others, of oneself in its relationship with the sense of community)? Stimulating the exercise of observation, even contemplation, the first condition of the landscape feeling, or even landscape thinking, as Augustin Berque (2011) clarifies, proposing the notion of trajectivity (trajectivité) to designate the simultaneously objective and subjective vocation of feeling and thinking , is currently an “art of healing” (Leite, 2020), a way of repairing the chain of articulation between feeling-thinking-acting, before such links are broken, preventing us from assuming our role as observers- repairmen?.
Defending the relevance of our landscape experience in contemporaneity, in its aesthetic-political dimension (Stiegler, 2018), it is suggested, in the context of this communication, a reflection on the symptomatology of careless landscape, supported by the imaginary production as illustrated by the visual arts.
Keywords: landscape; feel-think-act; observation-repair.
Helena Pires é Professora Associada no Departamento de Ciências da Comunicação, no Instituto de Ciências Sociais, da Universidade do Minho. Doutorou-se em Ciências da Comunicação, na área de Semiótica da Comunicação, pela Universidade do Minho, em 2007. Ensina nas áreas de Publicidade, Arte e Comunicação, tendo participado, nos últimos anos, na Direção do Mestrado em Comunicação, Arte e Cultura, da Universidade do Minho, onde também tem lecionado. Durante quatro anos, até novembro de 2019, foi coordenadora do Grupo de Publicidade da SOPCOM – Sociedade Portuguesa de Ciências da Comunicação. Tem publicado e desenvolvido trabalho de investigação sobre semiótica da paisagem (urbana), cibercultura, bem como no âmbito da comunicação e cultura visual. É investigadora do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade e co-coordenadora do projeto de investigação/intervenção Passeio - Plataforma de Arte e Cultura Urbana, que pode ser consultado em - http://www.passeio.pt/passeio/
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- A sociedade da eficácia e o fim dos vínculos
Ieda Tucherman (Professora titular da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Resumo: Compreendemos a atualidade onde vivemos como pertencendo a uma sociedade biotecnológica de mercado, que tem dois princípios lógicos e perigosos pois afetam nossas raízes ontológicas: o primeiro é a precificação das coisas e da vida, indistintamente, e o segundo é a anorexia de vínculos que aparece na expressão, “eu não me engajo numa relação amorosa e não te engajo na minha empresa”. Perdemos a noção de communitas, referência de uma sociedade onde o comum é um desejo e uma tarefa a cumprir substituída por outra onde o florescente narcisismo tecno-biológico pensa o outro como perigo: terrorismo, aquecimento climático, violência na metrópole, contágio e adoecimento. Neste contexto os cuidados devem ser responsabilidade de experts e adestradores, e os afetos devem ser flexíveis, conectivos e provisórios. Exploraremos duas condições que apontam para o que conhecemos como situações amorosas, buscando demostrar que tanto na parental, onde a atenção dos pais para o planejamento da vida dos filhos é vivida como planejamento e investimento, quanto na que conhecíamos como de enamoramento, onde o amor tinha razões que a razão desconhecia, hoje a avaliação é o pilar dos encontros.
Palavras-chave: Narcisismo; Eficácia; Vínculos.
Abstract: We understand the current situation where we live as belonging to a market biotech society, which has two logical and dangerous principles as they affect our ontological roots: the first is the pricing of things and life, without distinction, and the second is the anorexia of bonds that appears in the expression, “I don't engage in a love relationship, and I don't engage you in my company”. We have lost the notion of communitas, reference of a society where the common is a desire and a task to be accomplished, replaced by another where the flourishing techno-biological narcissism thinks of the other as a danger: terrorism, climate change, violence in the metropolis, contagion, and illness. In this context, care must be the responsibility of experts and trainers, and affections must be flexible, connective and temporary. We will explore two conditions that point to what we know as love situations, seeking to demonstrate that both in parental, where parents' attention to planning their children's lives is experienced as planning and investment, and in what we know as falling in love, where love there were reasons that reason was unaware of, today evaluation is the pillar of meetings.
Keywords: narcissism; efficiency; bonds.
Nota biográfica: Ieda Tucherman tem mestrado e doutorado pelo programa de pesquisa e pós-graduação em Comunicação e Cultura da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde é , desde 2015, professora titular (Full Professor). Seu pós-doutorado foi feito em Paris, no IRCAM, Institut de Accoustique et Musique sob a supervisão do Professor Bernard Stiegler em 2002-2003 onde coordena o grupo de pesquisa "Imaginário Tecnológico", ministrando disciplinas e orientando teses de doutorado e dissertações de mestrado, além de supervisionar estágio de pós-doutorado.
Publicou vários artigos em Portugal e no Brasil e os livros, Breve história do corpo e de seus monstros, na Coleção Passagens da Editora Vega de Lisboa, primeira edição em 1999 e segunda edição em 2004 e Arqueologia do Discurso Amoroso, publicado em 2019 pela Editora MAUAD, Rio de Janeiro. Seus temas de maior interesse são corpo, subjetividade e cultura contemporânea.
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- Governação pública e Dados Pessoais: todo o cuidado é pouco, quando o descuido é muito
Isabel Celeste M. Fonseca (Escola de Direito da Universidade do Minho)
Resumo: Alcançada a digitalização global, haverá, no futuro, mais qualidade de vida e paz social ou serão apenas os cidadãos mais transparentes e as formas de Governação Pública mais opacas?
Pois bem, o que nos desafia a pensar o tema do cuidado na acelerada transição digital em curso é o filme, O Círculo (“The Circle”): Filme que passou pelos cinemas em finais de 2018 e que contou com Emma Watson e Tom Hanks nos principais papéis. “The Circle” é uma empresa poderosa, que atua no ramo da internet e conecta os e-mails dos usuários com as respetivas rotinas diárias, as suas compras, atividade social e outros detalhes privados das pessoas conectadas, apostando na ferramenta de “Seechange”.
“The Circle” aborda o impacto da transição digital na governação, o poder de quem detém informação, as vantagens e desvantagens da conectividade e interoperabilidade de dados e o mundo das redes sociais, bem como as novas formas de sindicância e escrutínio social através do controlo dos movimentos pessoais, e o Dilema (moral e ético) de Mae, que se confronta com um projeto desafiante, em que acredita, de promoção generalizada de transparência (e de controlo democrático direto da sociedade pela sociedade), mas que deixa vulnerável a intimidade dos respetivos usuários (incluindo a dos familiares de Mae).
O que desejamos partilhar neste encontro é uma reflexão sobre a revolução digital em curso no Mundo, na Europa e em Portugal, e os instrumentos de proteção da privacidade dos cidadãos, começando por descrever as estratégias de digitalização na Europa e em Portugal e os desafios à implementação do Regulamento (UE) 2016/679, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016 (= RGPD), e do quadro normativo sobre proteção de dados pessoais.
Palavras-chave: Transparência administrativa; Proteção de dados; Direito à informação administrativa; Interoperabilidade; Direito administrativo cosmopolita; Tutela multinível.
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- As ruínas ou da arte de cuidar do descuido
Joaquim Braga (Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e Instituto de Estudos Filosóficos)
Resumo: No léxico artístico, o termo cuidar está intimamente associado ao de conservar. “Conservar” uma obra implica vários processos profilácticos e terapêuticos, como os de vigiar, resguardar e restaurar. Quando possuem valor patrimonial, as ruínas são, também, objecto de preservação, a ponto de por meio delas se expressar o descuido que, num dado momento histórico, se inscreveu nos comportamentos sociais. Porque têm uma natureza material excessivamente frágil, as ruínas levam-nos à questão de saber como pode ser articulado o cuidado com o descuido, ou, por outras palavras, como o gesto de cuidar pode evocar o de
descuidar.
Palavras-chave: Arte; Cuidado; Descuido; Ruínas.
Abstract: In the artistic lexicon, the term caring is closely associated with that of preserving. “Preserving” a work of art involves several prophylactic and therapeutic processes, such as monitoring, safeguarding and restoring. When they have heritage value, ruins are also object of preservation, to the point that through them is expressed the careless that, at a given historical moment, was rooted in social behavior. Since they have an excessively fragile material nature, ruins lead us to the question of how care can be articulated with careless, or, put in other words, how the gesture of care can evoke that of careless.
Keywords: art, care, careless, ruins.
Nota Biografica: Joaquim Braga, doutorado pela Humboldt-Universität zu Berlin, é, actualmente, investigador e docente na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Publicou, entre outros textos, Teoria das Formas Imagéticas. Ensaios sobre Arte, Estética, Tecnologia (Coimbra, 2020), Die symbolische Prägnanz des Bildes. Zu einer Kritik des Bildbegriffs nach der Philosophie Ernst Cassirers (Freiburg, 2012), Símbolo e Cultura (Coimbra, 2014) e editou Rethinking Culture and Cultural Analysis – Neudenken von Kultur und Kulturanalyse (Berlin, 2013), Leituras da Sociedade Moderna. Media, Política, Sentido (Coimbra, 2013), Bernard de Mandeville's Tropology of Paradoxes: Morals, Politics, Economics, and Therapy (New York/London, 2015), Antropologia da Individuação. Estudos sobre o Pensamento de Ernst Cassirer (Porto Alegre, 2017), Conceiving Virtuality: From Art to Technology (New York/Cham, 2019), Os Discursos do Corpo em Michel Foucault (Campinas, 2020).
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- O (des)cuido e a beleza física: uma abordagem psicossociológica
Lisete S. M. Mónico (Universidade de Coimbra – Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação)
Resumo: Em termos históricos, a beleza física tem sido preponderantemente estudada numa visão da pessoa enquanto objeto social, analisando-se os seus efeitos na perceção social, nas interações pessoais e no desenvolvimento humano em geral. Apesar de ser, em parte, uma criação em conformidade com normas culturais e sociais, a investigação indica uma forte concordância interjuízes no que respeita à heteroavaliação do grau de atratividade, apontando para constantes no entendimento social do corpo e da atratividade física. Neste artigo debruçamo-nos sobre o conceito de beleza física e suas implicações, associadas ao descuido por excesso de “cuido”, no alcance de um ideal normativo internalizado. A conceção do corpo como objeto de perceção remete-nos para a análise: 1) dos padrões definidores dos contornos da atratividade e do ideal de beleza física; 2) do estereótipo da beleza e suas implicações nas relações interpessoais. 3) das pressões socioculturais e consequente insatisfação com o corpo.
Palavras-chave: Beleza física; Atratividade; Estereótipo da beleza física; Corpo idealizado.
Abstract: Historically, physical beauty has been mainly studied from the perspective of the person as a social object, analyzing its effects on social perception, personal interactions, and human development in general. Despite being, in part, a creation by cultural and social norms, the research indicates a strong inter-rater agreement regarding the hetero-assessment of the degree of attractiveness, pointing to constants in the social understanding of the body and physical attractiveness. This article focuses on the concept of physical beauty and its implications associated with carelessness due to excessive “care” in achieving an internalized normative ideal. The conception of the body as an object of perception leads us to the analysis of 1) the defining patterns of the contours of attractiveness and the ideal of physical beauty, 2) the stereotype of beauty and its implications for interpersonal relationships, 3) sociocultural pressures and consequent dissatisfaction with the body.
Keywords: physical beauty; attractiveness; physical attractiveness stereotype; idealized body.
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- "Atento à desatenção"
Luís António Umbelino (Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra/ CECH)
Resumo: No centro da teoria biraniana das faculdades, desenvolvida a partir da elegante descoberta do facto primitivo da consciência de si na relação de esforço, encontra-se uma interessante análise da ideia de “atenção” que merece ser analisada. Em particular a distinção entre “atenção” e “perceção” permanece atual e permite-nos aceder, de modo sustentado, a uma análise da experiência da “desatenção”, próxima da experiência da “perda de si”.
Palavras-chave: Maine de Biran; Atenção; Atividade; Passividade; Esforço.
Abstract: At the heart of Maine de Biran's theory of faculties, developed from the elegant discovery of the primitive fact of self-consciousness in the duality of apperceptive effort, is an interesting analysis of the idea of “attention” that deserves to be analyzed. In particular, the distinction between “attention” and “perception” remains of interest and allows us to access, in a sustained way, an analysis of the experience of “lack of attention” that is not far from the feeling of being lost from oneself.
Keywords: Maine de Biran; Attention; Activity; Passivity; Effort.
Nota biográfica: Professor Auxiliar da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Investigador da Unidade I&D - Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos (FLUC – Portugal) e do projeto de investigação “Fenomenología del cuerpo y análisis del dolor II” (FFI 2017-82272-P – Espanha). Diretor da Revista Filosófica de Coimbra. É autor ou co-autor, entre outros, dos seguintes livros: Somatologia Subjetiva. Apercepção de Si e Corpo em Maine de Biran” (Lisboa: Calouste Gulbenkian 2010); Hermeneutic Rationality” (LIT Verlag, 2012); Memorabilia. O Lado Espacial da Memória (Santa Cruz: Editus, 2020); Corps emú. Essais de philosophie biranienne” (Coimbra: IUC, 2021). Publica regularmente em Portugal e no estrangeiro sobre a tradição reflexiva francesa, o horizonte da fenomenologia contemporânea e sobre o contexto da Hermenêutica Filosófica.
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- O descuido na era da hiperinformação
Mirian Nogueira Tavares (Professora associada da Universidade do Algarve - CIAC/Universidade do Algarve)
Resumo: Cuidar é um verbo que tem origem no latim: cogitare. A mesma origem do verbo pensar, o que pode nos parecer estranho. Mas para cuidar é preciso pensar em algo ou em alguém que mereça a nossa atenção, e cuidado. O teólogo Leonardo Boff , na sua obra Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela terra, apresenta-nos outra vertente etimológica da palavra: coera, também do latim, que deu origem à palavra cura. Cuidar é curar, e é o que nos torna verdadeiramente humanos, segundo Boff.
Nesta obra, o teólogo reflete ainda sobre a Sociedade do Conhecimento, mediada pela tecnologia que nos afasta, cada vez mais, fisicamente dos outros. “O mundo virtual criou um novo habitat para o ser humano, caracterizado pelo encapsulamento sobre si mesmo e pela falta do toque, do tato e do contato humano.” A voz de Leonardo Boff não é solitária nesta crítica a uma vivência cada vez mais imagética e menos tátil. Zygmunt Bauman fala-nos também destas perdas provocadas pelo excesso de imersão virtual.
“No cuidado, diz Boff, se encontra o ethos fundamental do humano.” Ora, se perdemos a ligação física, o contacto, se perdemos a ideia de chão comum, perdemos a compaixão e tornamo-nos descuidados. A partir da ideia de cuidar como curar, pretendo pensar no descuido como algo capaz de provocar a doença. O descuido, que é também um descaso, pela necessidade básica do toque e da partilha do espaço físico, tem sido agravado pela pandemia que nos assola. No entanto, assistimos a um aproveitamento de uma situação pandêmica para se instalar, de vez, a tecnocracia e o teletrabalho, sem se pensar, aprofundadamente, nas suas consequências últimas – éticas, sociais, morais e humanas. É sobre o descuido disfarçado de brave new world que me proponho a refletir.
Palavras-chave: Sociedade do Conhecimento, Cuidar, Curar, Virtual vs Real
Abstract: Caring is a verb that comes from the Latin: cogitare. The same origin of the verb to think, which may seem strange to us. But to take care of ourselves, we need to think of something or someone that deserves our attention and care. Theologian Leonardo Boff, in his work Knowing how to care: ethics of the human – compassion for the land, presents us with another etymological aspect of the word: coera, also from the Latin, which gave rise to the word cure. Caring is healing, and that's what makes us truly human, according to Boff.
In this work, the theologian also reflects on the Knowledge Society, mediated by technology that increasingly distances us physically from others. “The virtual world has created a new habitat for the human being, characterized by encapsulation about itself and by the lack of touch, touch, and human contact.” Leonardo Boff's voice is not alone in this criticism of an increasingly imagistic and less tactile experience. Zygmunt Bauman also tells us about these losses caused by excessive virtual immersion.
“In care, says Boff, is the fundamental human ethos.” Now, if we lose physical connection, contact, if we lose the idea of common ground, we lose compassion and become careless. From the idea of taking care as a cure, I intend to think of carelessness as something capable of causing the disease. The carelessness, which is also neglect, due to the basic need to touch and share physical space, has been aggravated by the pandemic that devastates us. However, we are witnessing the use of a pandemic situation to install, once and for all, technocracy and telework, without thinking in depth about their ultimate consequences – ethical, social, moral, and human. It is about the carelessness disguised as a brave new world that I propose to reflect on.
Keywords: Knowledge Society; Cure; Care; Virtual vs real.
Nota biográfica: Mirian Nogueira Tavares é professora associada da Universidade do Algarve, Portugal. Com formação académica nas Ciências da Comunicação, na Semiótica e nos Estudos Culturais (doutorou-se em Comunicação e Culturas Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia), tem desenvolvido o seu trabalho de investigação e de produção teórica nas áreas das estéticas fílmica e artística. Como professora da Universidade do Algarve, participou na elaboração do projeto de licenciatura em Artes Visuais, do mestrado e doutoramento em Comunicação, Cultura e Artes e do doutoramento em Média-Arte Digital. Atualmente é coordenadora do CIAC (Centro de Investigação em Artes e Comunicação) e Diretora do doutoramento em Média-Arte Digital.
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- The Expanded World of Invisible Images. Anna Unterholzner and Diana Carvalho artworks
Patrícia Gouveia (Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa)
(com Luciana Lima, Anna Unterholzner, Diana Carvalho)
Resumo: A apreensão de imagens é um processo biológico dinâmico em que o nosso cérebro recebe dados e consolida-os de acordo com memórias anteriores. Para experimentar e compreender as imagens assumimos simultaneamente o papel de observadores e sujeitos em ação. A nossa percepção situa-se e incorpora o mundo real e virtual. Recebemos imagens à nossa volta, antecipamos movimentos e projetamos ações no mundo. O papel da interação e da plasticidade nas experiências livewire incorporadas, juntamente com as tecnologias digitais, moldam e expandem a percepção humana abrindo-a a complexas e interdisciplinares perspetivas sobre o mundo. As obras de Anna Unterholzner e Diana Carvalho exploram imagens invisíveis e ampliadas para refletir e inquirir sobre investigação baseada em artes como criação e produção de conhecimento.
Key words: Imagens Invisíveis; Complexidade; Estética Mediada; Imagens Expandidas.
Abstract: Image apprehension is a dynamic biological process where our brain receive data and converted it according to previous memories. To experience and understand images we take simultaneously the role of observers and subjects in action. Our perception is embodied and situated in a world that can be both real and virtual. We receive images all around us and we anticipate movements and project our action in the world. The role of interaction and plasticity in livewire and embodied experiences together with augmented technologies are shaping and expanding human perception opening us to complex world poly perspectives. Anna Unterholzner and Diana Carvalho artworks explore invisible and expanded imagery to reflect about arts-based research as knowledge creation and production.
Palavras-chave: Invisible Images; Complexity; Mediated Aesthetics; Expanded Imagery.
Nota biográfica: Patrícia Gouveia is Associate Professor at Lisbon University Fine Arts Faculty [Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa]. Integrated member of ITI – Interactive Technologies Institute / LARSyS, Laboratory for Robotics and Engineering Systems, IST. Co-curator of the Playmode exhibition (MAAT 2016- 2019). Works in Multimedia Arts and Design since the nineties. Her research focuses on playable media, interactive fiction, and digital arts as a place of convergence between cinema, music, games, arts, and design. Previously she was Associate Professor at the Interactive Media (Games and Animation) degree at Noroff University College (2014-16) in Kristiansand, Norway. Invited Assistant Professor at FCSH/UNL (2007-14) and Assistant Professor at ULHT (2008-13) both in Lisbon. From 2006 to 2014 Patrícia edited the blog Mouseland. In 2010 she published the book Digital Arts and Games, Aesthetic and Design of Ludic Experience [Artes e Jogos Digitais, Estética e Design da Experiência Lúdica] (ed. Universitárias Lusófonas), a synthesis of her doctoral thesis and some articles she published. More information here: https://fbaul.academia.edu/PatriciaGouveia/CurriculumVitae.
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- Contributos para uma filosofia do descuido
Paulo Alexandre e Castro (Instituto de Estudos Filosóficos - Fac. Letras da Universidade de Coimbra)
Resumo: O conceito de descuido não foi ainda sujeito de modo adequado a uma agenda hermenêutica que permita determinar o seu alcance e os seus horizontes de aplicação. Tal sucede, estamos em crer, devido à importância crescente que as filosofias do cuidado (e leia-se do cuidar) tem assumido (sobretudo) na investigação filosófica. Da antropologia filosófica à filosofia ambiental, da ética prática à fenomenologia a forma e o conteúdo do cuidado determinam-se segundo o pressuposto de uma essencialidade radical que marca a natureza humana e a sua disposição e conduta no mundo. O debate sobre o homem ser bom ou mau por natureza é conhecido e pode notar-se aí uma forma dialéctica da acção do cuidar e do cuidado que conduz a ulteriores discussões sobre a individualidade, o papel das estruturas sociais, etc. Ora, o desafio que o descuido nos coloca é desde logo questionar a possibilidade da essência do humano e da sua acção residir num outro paradigma de interpretação. É com este desafio em mente que se pode colocar o descuido como conceito central de uma discussão que obriga a repensar o mundo humano.
Palavras-chave: Descuido; Desatenção; Passividade.
Nota biográfica: Paulo Alexandre e Castro é membro integrado do IEF-Instituto de Estudos Filosóficos (Universidade de Coimbra). Doutorado em Filosofia (Universidade do Minho), mestre em fenomenologia e hermenêutica (Faculdade de Letras -Universidade de Lisboa), licenciado em filosofia (Faculdade de Letras -Universidade de Lisboa). Realizou um Pós-Doc em Arte Digital (na Universidade Fernando Pessoa) sob a direcção do Prof. Doutor Rui Torres. Tem diversos livros publicados, destacando-se os mais recentes, Ways of Seeing Films. Cinema and Philosophy (Coimbra: IEF, 2021), Ensaios (modernos) de Filosofia Antiga (Porto: Edições Esgotadas, 2019), e, Acerca do Indizível. Sobre a linguagem e outras coisas em Wittgenstein (Porto: Fénix Editores, 2017). Tem produzido também obra literária (poesia, romance e teatro) e publicado em revistas internacionais. Para mais informações sobre o autor consultar: pauloalexandreecastro.webs.com/
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- A questão do Descuido em Heidegger
Paulo Roberto Monteiro de Araujo (Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo)
Resumo: Heidegger em seu livro Ser e Tempo (Sein und Zeit) trata da questão do cuidado (Sorge) em duas perspectivas: o cuidado autêntico e o inautêntico. Deste modo, a nossa preocupação é desenvolver a problemática do cuidado inautêntico que se expressa existencialmente como Descuido na relação entre o Dasein e o seu Ser. Em sua ocupação cotidiana, o Dasein pode ter uma compreensão inautêntica no que se refere à sua tarefa de Ser. Eis o motivo de o problema do Descuido ser um dos pontos cruciais na analítica existencial do Dasein em Ser e Tempo.
Abstract: Heidegger in his book Being and Time (Sein und Zeit) deals with the issue of care (Sorge) from two perspectives: authentic care and inauthentic care. Thus, our concern is to develop the problem of inauthentic care that is existentially expressed as Carelessness in the relationship between Dasein and its Being. In its daily occupation, Dasein may have an inauthentic understanding regarding its task of Being This is why the problem of Carelessness is one of the crucial points in the existential analysis of Dasein in Being and Time.
Nota biográfica: Docente no Programa de Pós-graduação em Educação, Arte e História da Cultura na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo Capital, Brasil. Graduado em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mestre em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP) e Doutor pela Universidade de Campinas (UNICAMP). Autor de vários artigos em revistas acadêmicas, bem como de livros, entre eles, Charles Taylor: Para uma ética do reconhecimento.
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- Como e porquê cuidar da literatura eletrónica: da obsolescência à preservação
Rui Torres (Universidade Fernando Pessoa / ICNOVA-Instituto de Comunicação da NOVA)
Resumo: A literatura fixada no livro impresso é permanente e estável: a sua materialidade é constante e a sua preservação implica apenas questões ambientais. Pelo contrário, a literatura programada em meios eletrónicos e distribuída em rede é efémera e variável: a sua materialidade não está previamente formada e a sua preservação depende de plugins e scripts que lhe são exógenos e que têm o seu próprio ciclo de vida. A literatura eletrónica tende, por isso, a tornar-se rapidamente obsoleta e ilegível, precisando de ser cuidada, exigindo que os múltiplos mecanismos nela envolvidos sejam atualizados e, por vezes até, reprogramados. Nesse sentido, poderia especular-se se o cuidado que a literatura eletrónica exige resulta de, ou tende para, a obra aberta, nunca concluída, sempre em expansão. E o que representam estes cuidados a ter? Para o autor, o pesadelo da obra por terminar. Para o editor, o desastre financeiro do produto por completar. Para o leitor, a instabilidade interpretativa do texto em constante metamorfose. Pretende-se com esta comunicação ilustrar as dificuldades inerentes à preservação de literatura eletrónica, argumentando que se trata de uma forma em permanente estado de obsolescência.
Palavras-chave: Literatura eletrónica; Obsolescência; Preservação
Abstract: The literature fixed in the printed book is permanent and stable: its materiality is constant and its preservation involves only environmental issues. On the contrary, literature programmed in electronic media and distributed over a network is ephemeral and variable: its materiality is not previously formed and its preservation depends on plugins and scripts that are exogenous to it and that have their own life cycle. Electronic literature therefore tends to quickly become obsolete and illegible, needing to be taken care of, requiring that the multiple mechanisms involved be updated and sometimes even reprogrammed. In this sense, it could be speculated whether the care that electronic literature requires results from, or tends towards, the open work, never completed, always expanding. And what do these cares represent? For the author, the nightmare of the unfinished work. For the publisher, the financial disaster of the uncompleted product. For the reader, the interpretive instability of the text in constant metamorphosis. This communication intends to illustrate the difficulties inherent in the preservation of electronic literature, arguing that it is a form in a permanent state of obsolescence.
Keywords: Electronic literature; obsolescence; preservation
Nota biográfica: Rui Torres é professor na Universidade Fernando Pessoa, membro integrado do ICNOVA-Instituto de Comunicação da NOVA, colaborador do Grupo de Investigação 'Mediação Digital e Materialidades da Literatura' da Universidade de Coimbra, diretor na Electronic Literature Organization, editor das coleções de livros Cibertextualidades (UFP) e Electronic Literature Series (Bloomsbury). Escreve sobre literatura, comunicação e cibertextualidades, sendo autor de obras de literatura eletrónica e coordena o Arquivo Digital da PO.EX. https://telepoesis.net/